Apresentação

Como cheguei aqui

Sempre gostei de indicar filmes e compartilhar informações, sensações e opinião pessoal sobre eles. A atividade cinematográfica é uma das minhas paixões. Optei aqui por indicar 3 filmes por mês, manifestando a minha opinião como um simples espectador, compartilhando algumas informações sobre os filmes selecionados. Espero que o resultado seja agradável para quem visitar.

Enquanto for interessante, estarei por aqui...


Cinema Paradiso (Itália/França, 1988)

domingo, 25 de março de 2012

A Chave de Sarah (“Elle s'appelait Sarah”)

Eu indico
A Chave de Sarah  (França, 2010)

Durante a ocupação alemã na França em 1942, Sarah Starzynski (Mélusine Mayance) é uma pequena judia que vive em Paris com os pais (Natasha Mashkevich e Arben Bajraktaraj) e o irmão caçula Michel (Paul Mercier). Eles são expulsos do apartamento em que vivem por soldados nazistas, que os levam até um campo de concentração. Na intenção de salvar Michel, Sarah o tranca dentro de um armário escondido na parede de seu quarto e pede que ele não saia de lá até que ela retorne. A situação faz com que Sarah tente a todo custo retornar para casa, no intuito de salvá-lo. Décadas depois, a jornalista Julia Jarmond (Kristin Scott Thomas) é encarregada de preparar uma reportagem sobre o período em que Paris esteve dominada pelos nazistas. Ao investigar sobre o assunto, encontra um elo entre sua família e a história de Sarah.

Fato histórico que incomoda os franceses:
Pouco foi divulgado a respeito deste episódio de perseguição antissemita na França - a tragédia do Velódromo de Inverno, ocorrida em julho de 1942, quando cerca de 13.000 judeus franceses - homens, mulheres e crianças - foram arrancados de suas casas e até um campo de concentração. O filme mostra os acontecimentos com detalhes, inclusive vemos a passagem temporária dos judeus pelo velódromo, sem comida, com pouca água e sob assustadoras condições higiênicas. A narrativa introduz, de forma inesperada, novos personagens a medida que o destino de Sarah e da jornalista Julia vai se revelando, sendo interessante que ambas estão em duas épocas diferentes e as cenas vão se revezando, uma estratégia usual mas que ficou bem montada neste filme.
Descobrimos aos poucos, junto com Julia, o destino de Sarah e sua família, com um certo suspense em relação ao garoto preso no armário (instigando a curiosidade do espectador sobre como será o destino dele), num clima e contexto de um período que a França certamente preferia esquecer, mas sobre o qual o próprio presidente Jacques Chirac rompeu o silêncio, num discurso de julho de 1995.

A chave - SPOILER:
Interessante que as cenas com a Sarah já adulta são poucas e o diretor usou cenas soltas e curtas, além de fotos, dando mais ênfase a Sarah quando criança, bem interpretada pela Mélusine Mayance. Além disso, temos um filme que não apelou para trilhas sonoras, deixando as cenas mais sérias, a maioria somente com o som do ambiente.
Temos uma fotografia bem feita, como por exemplo numa cena – a do velódromo – onde a câmera, numa tomada de cima, vai mostrando o panorama das pessoas na arquibancada desconfortável e cheia de sujeira (um enxugando o próprio suor, outro rezando, outros dormindo) em meio a bagunça de pertences pessoais e lixo espalhados por todo canto; a câmera só dá uma parada quando mostra Sarah e os pais, e depois vai baixando lentamente para se aproximar deles.
Numa outra cena bem dirigida, no campo de concentração, vemos pessoas correndo de um lado para o outro, mães desesperadas resistindo ao fato de que os soldados estão separado-as de seus filhos, jatos de água utilizados para afastar as pessoas, e Sarah engatinhando pelo chão à procura da chave que caiu de sua mão durante a confusão. Em outra cena, a garotinha consegue escapar do campo de concentração e está correndo com outra fugitiva num lindo campo aberto, passando por uma floresta até um lago (nesta temos o bom uso de trilha sonora); o contraste do cenário do campo de concentração com o cenário da paisagem do campo e da floresta dão uma aliviada no espectador (as garotinhas chegam a parar para se refrescar no lago, ignorando o fato de que este não está limpo).
Há uma importância grande na insistência da jornalista Julia, após apurar os fatos históricos, em encontrar a Sarah adulta. A experiência de uma jornalista investigativa, alinhada com sua intuição feminina, de decidir simplesmente procurar algo que a princípio pode não fazer muito sentido e não dar em nada, mas que ela sabe que precisa buscar. E assim temos um bonito desfecho, onde depois de tantas voltas ela acaba quase que por acaso transformando e dando mais sentido à vida de outra pessoa.

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domingo, 11 de março de 2012

Coração Satânico (“Angel Heart”)

Eu indico
Coração Satânico (EUA / Canadá / Reino Unido, 1987)

Em 1955, na cidade de Nova York, o detetive particular Harry Angel (Mickey Rourke) é contratado pelo misterioso cliente Louis Cyphre (Robert De Niro) para encontrar um cantor, conhecido como Johnny Favorite, que sumiu há doze anos. O problema é que quanto mais se aprofunda na investigação, mais confuso Harry fica. Nesta jornada, Harry começa a enfrentar um mundo místico e tomar um caminho sem volta.

Surpreendente:
O diretor Alan Parker sabe manter a atenção do espectador na narrativa, mesmo para quem se incomoda com o clima sombrio e cheio de mistérios, sem contar com algumas cenas fortes. O roteiro é do próprio Alan Parker, baseado num livro de William Hjortsberg. O filme é de 87 e aborda uma temática até comum, já utilizada por muitos outros, principalmente mais recentes. Entretanto, consegue dar um realismo como a maioria não consegue, quando aborda a parte mística da trama. O espectador vai acompanhando os passos do protagonista à medida que a situação vai se complicando e ficando mais trágica. O diretor tomou um cuidado com o visual e deixou as cenas de morte bem realistas, junto com todo um ambiente focado no visual sujo da cidade, com suas casas antigas, ventiladores de galpões e elevadores. A trilha introduz muito blues, que era a música típica do período e da região de New Orleans. Muitos consideram um dos finais mais surpreendentes já elaborados, é importante que se chegue ao final do filme e entenda direitinho a lógica dos acontecimentos.

Rourke e De Niro:
Temos de cara um jovem e excelente Mickey Rourke, representando uma personalidade sutil em diversos momentos, utilizando sorrisos sarcásticos e olhares desconfiados, sem contar que também é extremamente visceral em outros. Ele transmite com perfeição a angústia de Harry na busca pelo cantor desaparecido, com destaque para a cena onde fica perplexo e desesperado ao saber a verdade.
Já Robert De Niro tem uma atuação mais misteriosa, olhando sempre com firmeza e dizendo frases interessantes. Apesar das poucas cenas em que aparece, demonstra seu talento criando um Louis Cyphre completamente enigmático, combinando bem com a atmosfera do filme. Mostra uma superioridade marcante e mantém um visual sombrio, porém bem vestido, para caracterizar bem o seu personagem.

O final e as explicações – SPOILER (REVELA MESMO):
Em resumo, trata-se de uma cobrança de um pacto feito com o demônio. A vítima - Johnny Favorite - é o próprio protagonista, o detetive Harry interpretado pelo Mickey Rourke. Ele obteve sucesso como músico e se tornou um grande amante após vender sua alma; mas antes de ser cobrado, descobriu uma brecha com o apoio de uma de suas amantes (a cartomante), onde num livro místico se tinha a indicação de que a maldição poderia ser passada para outra pessoa. Sendo assim, foi feito um ritual onde Johnny rouba a vida de um soldado – o verdadeiro Harry - dentro de um hotel, como uma espécie de processo de reencarnação em outro corpo, para escapar de Lúcifer. O ritual acaba não sendo perfeito e, um tempo depois, ele sofre um acidente de guerra, perde a memória e acaba tendo o seu rosto reconstituído. Ele acaba se tornando um detetive particular. O problema é que Lúcifer descobre a traição e resolve fazer um jogo, contratando o detetive para encontrar Johnny, que são a mesma pessoa.
Muitas dicas são espalhadas pelas cenas antes de revelar o surpreendente final:
- Perceba que, durante a sua busca, praticamente todas as pessoas morrem logo após se envolverem com o detetive. Logo antes da morte da cartomante, o detetive está entrevistando a mesma e por curiosidade pega um objeto na estante dela, uma espécie de adaga. Esse é objeto usado no assassinato;
- Os ventiladores aparecem na trama antes de cada assassinato, fazendo uma ligação com a cena em que Johnny rouba a vida de Harry dentro de um hotel, já que nesta a iluminação do local é feita somente pelo vão existente nos ventiladores. O detetive tem um lapsos de memória desse acontecimento, só que nunca chega a mostrar completamente, como se ele tivesse que lembrar de algo que esqueceu. Em uma cena vemos o soldado sendo abordado por alguém, em outra a câmera se aproxima do hotel onde houve o ritual, por fora do prédio, onde vemos um ventilador ligado na janela;
- Na cena forte de sexo entre Harry e Epiphany (Lisa Bonet, que está bem sensual), as goteiras por conta da chuva se transformam em sangue que banham o corpo dos dois;
- Existe uma mania de Harry em evitar os frangos e sabemos que Johnny era um criador de frangos antes de seu sucesso como músico, e temos também uma cena em que Louis Cyphre está descascando e comendo ovos e comenta que em algumas tribos o ovo simboliza a alma;
- O diabo usa o nome Louis Cyphre, que pronunciado rapidamente fica com a sonoridade “Lúcifer”. No primeiro encontro com o detetive, ele se apresenta como um estrangeiro e fica estabelecido sobre uma igreja, que possui pelo visto um falso profeta, que gosta de idolatria. Tem outro encontro dos dois que é justamente dentro de uma igreja;
- As crianças choram ao ver o detetive, enquanto os animais atacam (principalmente cachorros e frangos);
- No final Harry desce pelo elevador e vai de encontro ao seu inferno particular, só que em várias cenas anteriores ele tem uma visão de quando entra num local sombrio e aguarda a chegada de um elevador;
- O nome original do filme é Angel Heart, que pode ser “Coração de Anjo” (atentar para o fato de que Lúcifer foi um anjo) ou “Coração de Angel” (atentar para o fato de que o nome do detetive é Harry Angel).

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Fontes: 

sábado, 3 de março de 2012

The Troll Hunter (“Trollgeren”)

Eu indico
The Troll Hunter (Noruega, 2010)

O filme conta a história de um trio de estudantes de cinema que, após um surto de ataques a ursos numa reserva natural no Norte da Noruega, decidem investigar o que realmente se passou. Ignorando os avisos das autoridades sobre os perigos, munem-se de uma câmara de vídeo e partem em busca de material para um documentário. Durante a busca, conhecem Hans (Otto Jespersen), um homem enigmático conhecido como o "caçador de trolls". E é então que os jovens descobrem o segredo mais bem guardado do Governo norueguês: a existência de trolls, seres que eles julgavam apenas habitar na sua imaginação.

Estilo “câmera na mão”:
A Noruega é um país que não tem uma grande tradição cinematográfica, vale a pena conferir o resultado deste filme. Assim como Cloverfield ou A Bruxa de Blair, Troll Hunter é como um pseudo-documentário, onde estudantes acompanham, com uma câmera, um misterioso caçador na Noruega, tentando descobrir o que ele caça com tanta discrição. Filmes deste tipo dão um realismo maior às cenas e a oportunidade de se sentir na pele dos personagens, visto que assistimos na perspectiva de primeira pessoa.
O diferencial neste é que, ao mesmo tempo em que acompanhamos as belíssimas paisagens da Noruega, existem cenas interessantes e desesperadas das criaturas medonhas. Ou seja, o monstro não fica camuflado, escondido, ele é exibido completamente antes de se chegar ao meio da história, deixando o espectador contemplar a criatura como um todo. Os efeitos visuais são excelentes, dando uma boa experiência de visualização.

Troll – a mitologia no filme - SPOILER:
Os trolls são seres temíveis saídos do folclore escandinavo. Na maioria das vezes são representados como criaturas enormes, uma visão nórdica dos gigantes, com orelhas e narizes muito grandes e que gosta de viver no subsolo, sendo este o seu refúgio contra o Sol, que pode transformá-lo em pedra com o contato. É uma criatura presente na fantasia de certos RPGs, videogames, livros de espada e feitiçaria, entre outros elementos medievais. A Noruega é um país onde o mito tem uma grande importância, pois possui ainda profundos bosques somados às belíssimas paisagens naturais, com uma cultura que acredita na existência de trolls.
No filme, o caçador Hans explica o comportamento desta criatura, os tipos de Troll e seus costumes, chega a reconhecer um lugar onde houve uma batalha entre trolls (“Trolls da montanha e trolls da floresta lutaram aqui. Eles atiraram pedras uns nos outros.”). Temos até um toque de fábula mostrando que a criatura percebe a presença dos cristãos, o cheiro do seu sangue. Interessante o caçador considerar a criatura como uma espécie de animal irracional, inclusive estúpido, dedicando-se também à não extinção deste, ao mesmo tempo em que precisa fazer o seu trabalho sujo, sendo encarregado de matar as criaturas, procurando o mínimo de sofrimento ao abatê-las. O respeito e preservação da natureza é uma característica marcante na cultura norueguesa.
Outro elemento marcante é a forma como o governo elimina as pistas da existência de Trolls, usando ursos e técnicas para camuflar os locais onde os seres apareceram. Existe um órgão responsável por gerir e acompanhar o deslocamento das criaturas, obviamente de forma secreta, simulando ataques de ursos contrabandeados aos rebanhos atacados pelas criaturas, usando pegadas falsas, entre outras estratégias.
A mitologia em torno da criatura é outro aspecto no filme, que mostra como ela não pode ser exposta à luz solar ou se torna pedra (o interessante é que isto é cientificamente explicado). Temos algumas cenas que dão um certo aspecto medieval, em uma delas Hans - vestido como uma espécie de cavaleiro medieval - enfrenta um Troll numa ponte; em outra ele vem correndo pela floresta e gritando trolllllllllll... como nos filmes de aventura medieval.