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Eu indico |
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A Fraternidade é Vermelha (Polônia / França / Suíça, 1994) |
Irene é Valentine, modelo suíça
vivendo em Paris, longe do namorado ciumento. Sua história é interligada a de
um jovem que estuda para ser juiz. Certa noite, Valentine está dirigindo seu carro
de volta para casa quando atropela algo em seu caminho. Ao descer do veículo,
encontra uma cachorrinha ferida, com o endereço de seu dono na coleira. Assim
ela passa a conhecer a pessoa que iria alterar o curso de sua vida: um juiz
aposentado, que termina seus dias espionando as conversas telefônicas de seus
vizinhos. Por trás deste estranho comportamento, está o enigma de um homem cujo
motivo vital é tomar posse da intimidade daquelas pessoas e acompanhar passo a
passo o desenrolar de seus destinos.
Rouge
– COM UM POUCO DE SPOILER:
O cineasta polonês Krzysztof
Kieślowski tem a Trilogia das Cores - A
Liberdade é Azul (1993), A Igualdade é Branca (1944) e A Fraternidade é Vermelha
(1994) - como a sua obra-prima, sendo esta composta
por três filmes, cada um inspirado no significado de cada cor da bandeira
francesa. O filme A Fraternidade é Vermelha
fecha a trilogia e é, de longe, o melhor dos três. Visualmente já impacta,
começando pela beleza peculiar da atriz Irene Jacob, junto com o uso sutil de
tons de vermelho (carros, batom, outdoor, sinal
no vermelho, bolas de boliche, frutas, sangue, cadeiras
e cortina de um teatro etc). A trilha sonora é muito boa, inclusive em cenas
que poderiam ser barulhentas, a música sobrepõe o som natural e dá um sentido
mais amigável. A fotografia é excelente, em algumas cenas a câmera passeia de
forma a acompanhar o diálogo e vai dando mais sentido ao mesmo. Preste atenção em como a câmera foca o copo quebrado no
boliche e como a visão da câmera sai de um local para outro enquanto os dois
personagens principais conversam, principalmente no final da cena do desfile,
quando a visão sai da parte alta do teatro até a parte de baixo, enquanto o
juiz conta o episódio que ocorreu com ele anos atrás. Em outra cena, raios
solares entram e saem de um quarto meio escuro após um comentário de um dos
personagens.
Em meio a diversos fatores
casuais, a modelo Valentine passa a ter momentos de convivência com o juiz
aposentado e vamos percebendo que, aos poucos, o sentimento inicial de repulsa
vai se transformando em afeto, e a vida e destino de ambos os personagens se
transforma, pois eles passam a tomar decisões que antes não tomariam. Seria
mesmo o acaso ou destinos marcados para se cruzar? Essa dúvida permeia a trama
principalmente quando somos apresentados a outros personagens, como o jovem juiz que passou por situações muito parecidas
com as do juiz aposentado. Podemos até decidir que se trata do mesmo
personagem, com as cenas exibidas em épocas diferentes, mas nos mesmos locais
por onde passa a personagem Valentine. Ou até mesmo podemos achar que a
Velentine é a própria amada do juiz (ele comenta que sonhou com Valentine com
aproximadamente uns 50 anos de idade, na época em que a sua amada o havia
traído). Ou as histórias se repetem, ou são uma única história.
Rouge faz
uso das possibilidades e consequências, mesmo em cenas silenciosas e sutis (a imagem do copo quebrado complementa uma cena anterior).
Questiona as relações humanas e dá ênfase à comunicação com o olhar. Os dois personagens principais dizem a mesma frase para o
outro em duas cenas separadas:
- Como
sabe?
- Não foi
difícil adivinhar.
Fraternidade:
A fraternidade é um conceito ligado às
idéias de Liberdade e Igualdade, juntos eles caracterizam grande parte do
pensamento revolucionário francês. A idéia de fraternidade estabelece que o
homem fez uma escolha consciente pela vida em sociedade e para tal estabelece
com seus semelhantes uma relação de igualdade, visto que em essência não há
nada que hierarquicamente os diferencie: são como irmãos (fraternos). Todos os
homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. A fraternidade é vermelha, assim como os laços sanguíneos, semelhantes
em sentimento à amizade fraternal que surge entre uma modelo e um juiz
aposentado.
No filme, somos questionados a
respeito de nossa incompreensão mútua, a indiferença com que nos tratamos, o
não reconhecimento do outro; também existe a falta de comunicação ou presença
de mal-entendidos, pré-julgamentos. O próprio juiz
comenta que não sabia se estava ao lado do bem ou do mal, quando exercia sua
profissão e julgava as pessoas no tribunal. Temos até a contradição do que é
supérfluo com o que é fraterno, como na cena do desfile de moda, enquanto todos
olham para a modelo no palco, ela procura pelo juiz, seu amigo, no meio da
platéia. Enquanto não o encontra, se sente sozinha. Quando ela o encontra no
final, comenta que sente medo em relação ao que ocorre ao redor dela, e o juiz
simplesmente segura a mão dela envolvida em suas duas mãos, e este gesto (sem
necessidade de palavras) é o suficiente para que ela se acalme.
A cena
final contém a ligação entre os três filmes, quando vemos os personagens principais
de todos eles saindo da balsa, e por último surge a modelo, já ao lado do jovem
juiz.
Consagrado internacionalmente
após a trilogia, em 1995, Kieslowski abandonou as câmeras dizendo que estava
achando tudo muito chato e preferia viver ao invés de fazer cinema. O irônico é
que ele morreu logo depois, de enfarto, aos 55 anos, em março de 1996.
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Fontes:
http://www.screamyell.com.br/secoes/trilogia.html
http://clayton-melo.blogspot.com.br/2007/02/fraternidade-vermelha.html
http://cinemaeaminhapraia.com.br/2009/02/04/a-fraternidade-e-vermelha-trois-couleurs-rouge/