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O Som ao Redor (Brasil, 2012) |
A
presença de uma milícia em uma rua de classe média na zona sul de
Recife muda a vida dos moradores do local. Ao mesmo tempo em que
alguns comemoram a tranquilidade trazida pela segurança privada,
outros passam por momentos de extrema tensão. Ao mesmo tempo, casada
e mãe de duas crianças, Bia (Maeve Jinkings) tenta encontrar um
modo de lidar com o barulhento cachorro de seu vizinho. Roteiro e
direção de Kleber Mendonça Filho.
Tantos
sons a volta:
O Som ao
Redor é um dos melhores filmes nacionais já feito, apontado por
diversos críticos como excelente, inclusive por A. O. Scott, do
jornal The New York Times, como “um dos 10 melhores filmes do mundo
realizados em 2012”. Caetano Veloso, em sua coluna no jornal O
Globo, classificou-o como “um dos melhores filmes feitos
recentemente no mundo”. Como esperado, recebeu muitas premiações
de melhor filme; por exemplo, no Festival de Gramado, Festival do
Rio, Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Festival de Nova
York, Festival da Polônia, entre outros. É o primeiro longa do
diretor Kleber Mendonça Filho, que já havia dirigido o documentário "Crítico" (2008).
O cenário
onde ocorre a narrativa é Recife, em um bairro da classe média que
vive um momento em que uma equipe particular de segurança aparece
oferendo seus serviços. Acompanhando o cotidiano e relacionamentos
dessa vizinhança, após a chegada dessa milícia, o filme vai
mostrando a rotina e reação das pessoas. Além disso, uma certa
atmosfera no ar pode dar indícios de que, a qualquer momento, algo
pode acontecer, não perdendo assim o suspense para uma narrativa
mais lenta e mostrando como a vida é imprevisível e como todos
podemos sair da zona de conforto de forma inesperada.
O filme
tem muitos destaques, e um deles, claramente, é o som. Utilizado nos
mais diferentes contextos, inclusive ao extremo, seja para gerar
barulho e incomodar os personagens e o espectador, seja a sua
ausência total, cansando apatia. O ausência do som é quase
inexistente, mostrando a poluição sonora da cidade grande, em
contraste com o interior que chega a ser mostrado em uma das cenas.
De forma criativa e sem perder o padrão do realismo mantido na
trama, somos influenciados por cada som que aparece, inclusive para
criar tensão e dúvidas sobre o que de fato originou determinado
som. E a interpretação a partir de cada som nos remete a vivenciar
a rotina desses moradores de classe média. Podemos ser solidários a
algum personagem, sofrendo junto com o barulho, ou se identificando
positivamente com algum som. Através do som é percebida a separação
de classes, quando dispara o medo da classe média com a expectativa
constante de uma abordagem da população pobre (vejamos um pesadelo
de um dos personagens onde sua residência é invadida por diversos
garotos marginais, e ela é despertada pelo barulho e acompanha a
situação da janela do quarto).
Alguns
personagens são bem explorados, como o corretor de imóveis João
(Gustavo Jahn), empregado em um negócio familiar de seu avô
Francisco (Waldemar José Solha), respeitado morador local e dono de
quase todas as casas da vizinhança. Também temos Bia, uma moradora
local, dona de casa e mãe, atormentada por viver cercada por grades
e aturando o barulho do cachorro do vizinho. E finalmente Clodoaldo,
o chefe da empresa de segurança. Por sinal, muito boa a atuação de
Irandhir Santos, como Clodoaldo. A natureza individualista das
pessoas frente aos problemas alheios fica evidente, principalmente
numa cena bastante interessante, onde ocorre uma reunião de
condomínio. Até um comportamento comum de sair da reunião para
atender ao celular mostra a falta de vontade em participar das
questões coletivas; a classe média evita qualquer envolvimento e
atuação política, exceto quando se trata de uma ação que lhe
traga claras vantagens.
Causando
impressão de que não houve o mínimo desperdício em cada cena, e
trabalhando bem cada personagem e seus conflitos, em situações
comuns, como por exemplo o barulho do cachorro do vizinho, que fica
numa área praticamente colada com a janela de outra pessoa, temos a
oportunidade de ver um filme pretensiosamente realista e reflexivo,
que traça o comportamento da classe média se escondendo atrás das
grades de sua casa, e que na verdade tem a sua parcela de
responsabilidade sobre a tensão e os problemas que a permeiam. Temos
uma ligação com o passado, a origem das desigualdades sociais do
país gerando a riqueza na mão de poucos. Na trama, o passado vem a
calhar de alguma forma, incluindo uma dose de suspense e um final
para deixar qualquer um boquiaberto, usando o som, uma última
vez, com maestria.