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Eu indico |
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Saul Fia (Hungria, 2015) |
Durante
a Segunda Guerra Mundial, num campo de concentração de Auschwitz,
Saul (Géza Röhrig) é um judeu obrigado a trabalhar para os
nazistas, sendo um dos responsáveis em limpar as câmaras de gás
após dezenas de outros judeus serem mortos. Em meio à tensão do
momento e às dificuldades inerentes desta tarefa, ele reconhece
entre os mortos o corpo de seu próprio filho.
Dirigido por László
Nemes.
Eu
sou um sonderkommando! - SPOILER
Basta
ler a premissa na sinopse acima para entendermos que se trata de um
filme forte. A temática gira em torno de toda essa perseguição e
extermínio que os judeus sofreram, ou seja, é bem comum nos
cinemas, que já nos ajudou a entendê-la o suficiente através de
filmes inesquecíveis. Então, essa produção húngara poderia ter
sido só mais um caso a passar despercebido, mas na verdade é mais
um caso a deixar uma marca; a começar pelas suas premiações,
incluindo o Oscar e Golden Globe de melhor filme em língua
estrangeira. Premiação em si, muitas vezes, não é condição para
um filme ser excelente. A questão aqui é que o filme é realmente
muito bom e, também, original em um certo aspecto.
A
originalidade foi a maneira como o diretor escolheu contar essa
história, além de um final no qual o inesperado e coerente
coexistem. O recurso de filmagem ou fotografia conta essa história
de uma forma diferente, focando, na maior parte do tempo, uma
proximidade visual no personagem Saul. Chegamos a acompanhar por
muitos minutos a câmera na cola dele, como se estivéssemos o
seguindo como curiosos sobre o que ele vai fazer. Com isso, nossa
percepção de todo o horror ao seu redor fica a cargo dos sons e
imagens que nossos olhos alcançam de forma limitada, pois estamos
muito próximos do personagem. A excelente mixagem e edição de som
colaboram para passar essa sensação. Gritos, tiros e explosões,
falas incompreendíveis, barulho de chamas acesas, passos, etc.
Ouvimos e compreendemos, mesmo não enxergando tudo. Como já vimos
em grandes filmes de terror, como Invocação do Mal (2013, de James
Wan), o poder da sugestão causa mais medo e horror do que uma cena
explícita ou um susto forçado.
Também
foi acertada a ideia de não utilizar trilha sonora. Só nos resta
imaginar o horror ao estarmos praticamente imersos no filme. Essa
forma chega a incomodar, mas esse é o objetivo mesmo. Pessoas já
reclamaram que se sentiram naqueles jogos de videogame de survival
horror, tipo os de zumbi onde estamos quase em primeira pessoa. Com a
tela neste filme mais quadrada, a sensação aumenta, mas não é
como o filme Mommy (2014, de Xavier Dolan) que nos dá uma folga em
algumas cenas. Aqui, você tem que sentir mesmo o ambiente que não
dá folga para nenhum dos personagens judeus.
Saul
é um personagem que tinha tudo para representar todo o desespero de
um judeu num campo de concentração nazista, onde a morte é tão
comum que, até diante do corpo sem vida de seu filho, ele age a
princípio com certa normalidade e frieza. Mas aqui aparece outro
aspecto interessante e é onde tenho que avisar que começarão os
spoilers...
O
filme dá alguns indícios de que o garoto pode não ser filho de
Saul. E é aí que essa frieza é usada de forma fantástica na
trama, pois Saul se apega então a um desconhecido, como se adotasse
aquele filho na hora, e resolve a todo custo dar um enterro decente,
nos moldes judeus, com rabino e tudo, para um semelhante. Essa é sua
forma de se humanizar e deixar de ser só mais uma pessoa sem
esperança de que aquilo é o fim (como ele mesmo disse: “já
estamos todos mortos”).
Chega
a ser agonizante acompanhar as peripécias de Saul para tentar
concretizar esse enterro. Passa a ser um processo complicado no meio
de um cenário mais complicado ainda. Com tantos obstáculos no meio
daquele furacão, em vários momentos ele fica em situações
extremas e ainda coloca os companheiros no meio, só para cumprir sua
meta de enterrar o filho. Além disso, ele está forçadamente
trabalhando para os Alemães num grupo denominado sonderkommandos,
que eram os prisioneiros judeus designados para trabalhar como
assistentes nos campos de concentração nazistas, inclusive
encaminhando outros judeus para a câmara de gás e depois tendo que
limpar tudo. No início do filme houve a preocupação de definir
esse grupo, inclusive explicando que eles são designados até o dia
em que forem exterminados, como todo o resto. Até por viverem ao lado
dos Alemães, certa frieza toma conta dos sonderkommandos tão acostumados com as mortes ao redor.
Ao
final, em meio a uma cena bem tensa e realista de uma resistência
dos judeus, aparece um garoto e Saul sorri, como se naquele momento
ele justificasse seu empenho em enterrar o filho e ficasse
satisfeito, nos últimos segundos de sua vida nesta terra, pela
grande intenção e ação. O garoto que aparece pode nos confundir,
mas acredito que os fatos impedem de acharmos que seria espírito de
seu filho, a começar pelo fato de que o garoto é diferente do outro fisicamente; além
disso, ele se esbarra com um soldado. No final das contas, o garoto é
mais uma vítima da guerra, obrigado a levar os soldados alemães até
o esconderijo dos judeus, após ter visto eles passando por perto.
Mas isso não importa, Saul o vê e sorri, feliz consigo mesmo em ter
encontrado sua humanidade em um dos piores lugares possíveis e quase
sem esperança.
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Fontes: