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Eu indico |
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Para Minha Amada Morta (Brasil, 2016) |
Após
a morte de sua esposa, o fotógrafo Fernando (Fernando Alves Pinto)
torna-se um homem calado e introspectivo. Ele vive cercado de objetos
pessoais da falecida até descobrir, em uma fita VHS, uma surpresa
que coloca em dúvida o amor da esposa por ele. A partir de então
Fernando decide investigar a verdade por trás destas imagens,
desenvolvendo uma obsessão que consome seus dias e sua rotina.
Dirigido por Aly Muritiba.
O
luto e a liberdade:
Eu realmente fico feliz quando vejo um filme nacional de
qualidade. A experiência com este filme foi ainda mais gratificante
pelo fato de ter participado da estreia com a presença do diretor
Aly Muritiba, que ao final da sessão fez um bate papo com as pessoas
que ficaram na sala. Saber motivações, dificuldades, inspirações
e até a própria visão do diretor sobre a sua obra foi bem legal.
Além do mais, a compreensão sobre o filme é maior já que ele
respondeu a algumas perguntas do público sobre as cenas.
O filme é estruturado em dois grandes momentos. O
primeiro é o do luto: fechado, claustrofóbico, sem vida, rotineiro
e sem expectativas de melhoria. Cores escuras e ambientes fechados
marcam esses momentos; já no segundo, engatilhado quando o
personagem assiste a uma fita em VHS na qual a falecida esposa
aparece, é mais vibrante, tenso, dinâmico e, ao mesmo tempo, varia
entre a agonia e a libertação do personagem. Não dá para explicar
muito sem contar passagens do filme, mas é bom ficar atento para
essas diferenças, que vão se sobrepondo em alguns momentos.
Cenários mais abertos e com mais cores acompanham os momentos que
expliquei da segunda parte. Aqui, então, farei comentários sem
contar as cenas e deixarei o expectador mais livre para suas
interpretações.
Baseado na premissa acima, nos resta contemplar o
enredo. As cenas podem ser arrastadas para alguns expectadores, mas assim
mesmo necessárias para serem realistas. Algumas tomadas de cena são
longas, mas precisavam ser para passar sua melhor compreensão. Como
o próprio diretor disse, tem que dar o tempo e o silêncio
necessário para o espectador respirar, perceber o ambiente e
compreender a cena.
O
personagem está sofrido, pois se encontra em luto pela sua amada
esposa. Ele lava e estende as roupas da amada, assiste vídeos dos
dois, observa fotografias, organiza objetos pessoais dela. Seria uma
rotina triste e longa se não fosse um fato que ele presencia ao
assistir a
um
vídeo
que
ele não conhecia. Por conta disso, ele sai dessa inércia e vai
atrás de mais informações sobre o que viu. A partir daí o filme
toma novas proporções e chega a se aproximar de um triller. A
fotografia ajuda, principalmente em cenas que nos sugerem que nosso
personagem vai tomar uma ação violenta. A
pá na mão parece que será usada. Sabemos que a arma de fogo está
guardada e pode ser usada. A cena sobre o telhado coloca um
personagem em posição de desvantagem em relação ao outro. Dar as
costas ao seu inimigo sem saber quem é ele de fato. Enfim, os
personagens Fernando e Salvador, em suas atuações, nos passam todo
o necessário em cenas repletas de possibilidades que permite ao
diretor manejá-las a ponto de manter a tensão e a dúvida.
Essa
resistência ao impulso, raiz de todo autocontrole emocional, é tão
bem colocada no filme que não temos como sentir na pele o que o
personagem passa. E o melhor é que suas intenções não ficam claras e isso nos gera o suspense. As cenas são sugestivas e tendenciosas, mas acabam nos enganando e
surpreendendo em muitos momentos. A
partir disso vem a transformação, da
perda de interesse por coisas novas, quando está em seu luto
reflexivo, até o ponto de se perceber como uma pessoa útil de novo,
seja com as novas pessoas que conhece em sua empreitada, seja com o
seu próprio filho amado; enfim,
o personagem se transforma e se liberta. Vai da melancolia até a
liberdade, com uma temática forte de vingança. Mas, de forma
original, a violência eminente vai sendo eliminada muitas vezes, a
cada cena, para nos mostrar que ela não é o caminho.
O
filme também serve para desconstruir essa questão do olho por olho,
dente por dente, de que a vingança é um forma de justiça, pois
muitas vezes não conhecemos o lado do outro, da pessoa intitulado
como “o culpado”. É interessante que, como espectadores, temos
uma posição privilegiada em relação a esse culpado, pois
acompanhamos a trajetória do ponto de vista do Fernando. E o
“culpado” se chama Salvador, um
nome sugestivo para este suposto antagonista.
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Fontes: