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A Doce Vida (Itália, 1960) |
O jornalista Marcello (Marcello
Mastroianni) vive entre as celebridades, ricos e fotógrafos que lotam a
badalada Via Veneto. Neste mundo marcado pelas aparências e por um vazio
existencial, freqüenta festas, conhece os tipos mais extravagantes e descobre
um novo sentido para a vida. Em meio a uma infinidade de personagens famosos e
exóticos, figuras extravagantes e mulheres lindas, Fellini realiza uma crônica
social da época, retratando o tempo da velocidade, da influência
norte-americana nos costumes sociais, dos carros, festas e mulheres
formidáveis.
Fellini e a vida - SPOILER:
Federico Fellini, um dos mais expressivos diretores do cinema italiano,
nos imerge no mundo da alta sociedade romana do pós-guerra. Através dos
olhos do personagem Marcello, um jornalista de origem humilde que acaba tendo destaque
na alta sociedade romana por cobrir matérias dentro desse cenário, Fellini
mostra uma Roma caminhando para a modernidade e também para a decadência.
O repórter é um homem sem
compromisso, que se relaciona com várias mulheres, esforçado no seu trabalho e
que deseja se tornar um bom escritor. Ele vai passando por uma espécie de
transformação, através da convivência com este mundo de aparências e
falsidades. Mas não é só isso que o influencia, mas também o suicídio de um
grande amigo – talvez o único amigo verdadeiro – do jornalista, logo depois de assassinar
seus próprios filhos. Isso ocorreu cenas após um diálogo entre os dois, quando
o amigo de Marcello proferiu sábias palavras sobre a amargura da vida. Apesar
de toda sua riqueza, família aparentemente perfeita e rodeado de pessoas
famosas, o amigo do jornalista acaba sucumbindo. Talvez este tenha sido o
estopim para que Marcello se entregasse completamente à mediocridade e falsos
amigos. Seu sonho de se tornar um escritor vai ficando cada vez mais distante e,
aos poucos, o filme caminha para um final amargo, fazendo uma ironia com o
próprio título.
O filme possui algumas seqüências
que ficaram bem famosas, inclusive a primeira e última cena são de uma
sensibilidade única. A primeira cena é algo que considero diferente e bem
pensado. Imagine a estátua de Jesus Cristo sendo levada por um helicóptero até
o Vaticano, as pessoas que estão no solo acham aquilo uma visão inusitada e, a
medida que o helicóptero vai sobrevoando Roma, somos introduzidos a um visual
da cidade se aproximando da modernidade, muitos prédios sendo construídos e de
certa forma ofuscando o visual antigo da cidade, marcada por catedrais e
cenários de pedra. O jornalista - que está no helicóptero - fica sobrevoando
uma cobertura com piscina e mulheres, tentando conseguir o número de telefone
de uma delas, mas o barulho dificulta a comunicação. Da mesma forma que a falta
de comunicação ocorreu nesta cena e permeia essa sociedade, temos na última
cena o barulho do vento e do mar impedindo que o personagem escute a garota que
está na praia, ambos separados pela água e tentando se comunicar. Ele não
parece se recordar da garota que havia conhecido na época em que tentava se
dedicar a escrever um livro, mas ela o reconhece e tenta se comunicar. Após
algum tempo, ele desiste e a garota sorri e olha para a câmera, ou seja, para
nós espectadores, como se fizemos parte do filme e ela nos encarasse para saber que escolha faremos na nossa vida. Essa menina de rosto singelo
pode ser a única ligação do personagem principal com uma vida de verdadeiro sentido. Uma
forma inusitada de concluir a história.
Temos também a famosa sequência
da Fontana di Trevi (a Fonte dos trevos, uma ambiciosa construção de fontes
barrocas da Itália, com cerca de 26 metros de altura e 20 metros de largura),
onde Marcello acompanha uma atriz de Hollywood, em passeio por Roma, e ela
acaba resolvendo tomar um banho na fonte. Apesar do momento de satisfação com
essa atriz e com outras mulheres, nenhuma delas consegue preencher o seu vazio
interior, que vai cedendo à tolice, vaidade e insegurança. Pouco antes do final
do filme, um grupo encontra um peixe enorme na beira da praia, e voltam sua
atenção aos enormes olhos do animal, enxergando à sua volta um mundo incompressível
e sem sentido, da mesma forma que o personagem principal.
Celebridades e curiosidades:
- O personagem
"Paparazzo", fotógrafo interpretado por Walter Santesso, que trabalha
com Marcello Rubini, é a origem do termo que descreve os fotógrafos perseguem
as celebridades, denominados paparazzi, no plural. O filme eternizou esse
termo;
- Uma das maiores sequências do
filme, sobre o relacionamento de Marcello com uma velha escritora que vivia em
uma torre e que seria interpretada pela atriz Luise Rainer, foi cortada do
filme após uma série de problemas entre Rainer e Fellini. Ela reagiu
furiosamente dizendo que: "havia estragado uma peça de roupa caríssima
para vestir uma personagem que nunca existiria!";
- No filme aparece Christa
Paffgen, que adotou o pseudônimo de Nico, e fez parte da banda Velvet
Underground. Essa modelo e cantora interpreta a si própria nesta cena, onde
também aparecem alguns garçons que eram aristocratas verdadeiros;
- Na cena do clube romano de
estilo antigo, na qual Marcello faz sua primeira investida em
"Sylvia" (Anita Ekberg), aparece Adriano Celentano, que anos mais
tarde se tornou famoso na Itália como cantor e ator;
- Na noite em que Marcelo Mastroianni
morreu, em 1996, centenas de romanos se dirigiram para a Fontana di Trevi, uma
singela forma de homenagear o ator.
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