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Eu indico |
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It Follows, (EUA, 2014) |
A jovem Jay (Maika Monroe) leva uma vida tranquila entre
escola, paqueras e passeios no lago. Após uma transa, o garoto com
quem passou a noite explica que ele carregava no corpo uma força
maligna, transmissível às pessoas apenas pelo sexo. Enquanto vive o
dilema de carregar a sina ou passá-la adiante, a jovem começa a ser
perseguida por figuras estranhas que tentam matá-la e não são
vistas por mais ninguém. Dirigido por David Robert Mitchell.
A
coisa que te persegue:
Você
já se sentiu rodeado de fantasmas? O fantasma do medo, da pressão
social, do julgamento, da inveja ou qualquer outro? Já parou para
olhar se alguém o persegue? A juventude lida
com
uma série de preocupações que vêm junto com o amadurecimento, uma
delas é a forma como ela
encara o
sexo. Estreando no Festival de Cannes em 2014, este filme merece uma
atenção especial quando provoca esse
tipo de reflexão
através de uma história macabra. Assim, como pudemos observar em
outro grande
filme de horror, “O Chamado” (2002), no
qual uma fita cassete deveria ser passada para se livrar da maldição,
este
aqui
é
mais um do tipo slasher movie (uma criatura ou pessoa persegue e faz
uma série de vítimas), seguindo
uma espécie de maldição que é sexualmente transmissível (após a
relação, a pessoa passa a ser perseguida pela entidade que estava
atrás da anterior).
Com
boa carga psicológica, essa ideia gera
situações bem tensas no filme, altas
expectativas
e frio na espinha ao acompanhar a saga da garota amaldiçoada. Com um
jogo de câmera interessante, em alguns momentos girando 360o
e deixando o espectador na iminência de encarar qualquer coisa que
possa aparecer para assustá-lo, além de uma trilha sonora feita sob
encomenda (concluída em menos de 3 semanas, composta por Rich
Vreeland, mais conhecido como Disasterpeace), dando
um clima de terror anos 80, o
filme já valeria a pena somente por essas sacadas e todo o clima
sinistro que apresenta. Contudo, ele vai além, e é por isso que
preciso deixar alguns spoilers e
curiosidades na
esperança de que o espectador compreenda melhor a dimensão deste:
O filme começa bem tenso, mostrando uma vítima que não
consegue escapar da coisa que a persegue, embora dessa vez ainda não
vejamos a coisa. Em outros momentos, após explicada toda a situação,
vemos a coisa em muitas cenas, inclusive tem vezes que os próprios
personagens não a enxergam, mas nós estamos ali quase que querendo
avisar a eles que ela está chegando perto. Um caso quase
imperceptível é numa cena na escola, quando os amigos de Jay
procuram informações sobre o cara que passou a maldição para ela,
depois eles saem de carro (a mesma menina que apareceu um pouco
antes, quado eles chegaram a escola, aparece andando em direção ao
carro).
Poesias da literatura são apresentadas mais de uma vez,
uma pelo professor na sala de aula ("A Canção de Amor de J.
Alfred Prufrock", de TS Eliot), outra pela irmã de Jay quase no
final do filme. Elas têm uma forte relação com a metáfora
proposta pelo filme, lidando com questões reflexivas, por exemplo, o
fim da vida. Não adianta evitar, uma hora a morte te alcança, mesmo
que demore (como a coisa do filme).
É curioso tentar imaginar o tempo em que o filme se
passa. Enquanto um personagem está com celular (a garota do início
do filme), outros assistem a filmes de terror mais antigos. Certos
carros apresentados são de épocas mais recentes e outros não. Ao
que parece, a primeira cena se passou depois dos demais eventos do
filme, mostrando então que a coisa continua viva e matou mais uma
pessoa, assim, está voltando para a anterior. Sinistro.
Outro fato interessante é reparar na casa onde o cara
que passou a maldição para Jay morava. Ela mesma menciona que
conhecia o lugar, mas nunca chegou a entrar, até porque ele mesmo
evitava isso. Sabemos que ficar em lugar fechado com a coisa te
perseguindo é desvantagem. Isso nos leva a interpretar que ele
estava com a maldição há um tempo e não suportou mais, passando
assim para Jay. A casa onde ele habitava temporariamente (veja que na
verdade ele morava num lugar melhor, mas só voltou para lá depois
que passou a maldição) é uma ruína em estilo residência, chamada
American Foursquare. Era uma tendência popular na década de 1890
até 1930. A construção tem um padrão circular, onde é possível
prosseguir através de várias salas e voltar ao ponto de partida,
sem nunca inverter o caminho. Em algumas moradias, há quartos
adjacentes, armários e banheiros compartilhados. Ou seja, é a
melhor morada para conseguir se esquivar da coisa.
Com mais de 10 indicações em festivais alternativos
(pouco conhecidos) e alguns prêmios, o filme faz alusão a problemas
enfrentados pelos adolescentes, diante da vida. O sexo é um tema bem
escolhido e no mínimo a ideia de passar essas mensagens através de
um filme de horror é valoroso. A questão do fim da virgindade ou
até o fato de não a perder, principalmente durante a escola, é
muitas vezes um peso, como se todo mundo ficasse julgando a pessoa. É
o fim da inocência quando o sexo desencadeia a situação toda. Quem um dia esperou uma noite romântica e na verdade ela se tornou um pesadelo? Após o sexo, Jay confessa que antigamente
ela esperava um príncipe encantado, isso mostra a questão da inocência
sendo quebrada. O filme dispensa quase o tempo todo a presença de
adultos, nem a mãe da protagonista aparece direito, o diretor evita
que a câmera mostre o rosto dela. Afinal, o foco é os jovens e seus
conflitos internos. Boa parte dos adultos aparece na forma da coisa,
é aí que precisamos prestar a tenção às fotos que são
apresentadas nos quartos. Elas mostram pessoas que são usadas na
forma que a coisa assume (por exemplo, o pai da Jay, que aparece na
cena da piscina e depois é mostrado na foto no quarto dela). A
figura dos pais é repetida algumas vezes pela coisa e isso é
proposital já que o julgamento deles sobre os filhos é um tema
importante. Em uma cena, Jay coloca pedaços de grama em sua perna e
isso representa o formato de cortes, parecendo a ideia de um
suicídio, algo comum entre os jovens diante de problemas na vida,
muitos deles ligados de alguma forma ao sexo.
O
diretor consegue, seja em locais fechados ou abertos, tomadas de
câmera perfeitas para dar uma sensação de nossa presença no
local. Isso ajuda com os sustos e cria um clima de tensão. Uma
entidade em forma de pessoa deixa a coisa tão assustadora quanto se
fosse uma entidade horrorosa, que é uma estratégia de muitos filmes
do gênero. Até então, este ano foi fraco em relação a filmes de
terror. Poucas exceções como este filme e o excelente Goodnight
Mommy (Áustria, 2015) devem salvar o gênero:
http://www.blahcultural.com/critica-de-filme-corrente-mal/